domingo, 26 de fevereiro de 2012

A BANCADA DA BALA! quem são e o que pensam os deputados que recebem doações de campanha das empresas que fabricam e vendem armas no Brasil e associações patronais


A Lei 10.826, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento, de dezembro de 2003, foi criada para regulamentar o uso e posse de armas de fogo. Com ela, alguns artigos, tais como a exigência de comprovar a necessidade de ter uma arma, o teste psicotécnico para a aquisição desses equipamentos, a marcação de munição (art.4o) e a indenização para quem entregar sua arma (art.31), passaram a ser aplicados.

Em outubro de 2005, o governo realizou um referendo popular para saber se a população concordava com a proibição de venda de munições e armas de fogo. Se fosse aprovado, o artigo 35 do Estatuto, que proíbe a comercialização desses artefatos, entraria em vigor.

A medida foi vetada por 63,94% dos votos.

Em abril de 2011, após a tragédia de Realengo, em que um ex-aluno, Wellington Menezes de Oliveira, assassinou 11 crianças a tiros e se matou, as discussões sobre o porte e comércio de armas ressurgiram. Em resposta, o senador José Sarney encabeçou o projeto de decreto legislativo que propõe novo plebiscito sobre a questão. O projeto tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e aguarda designação do relator.

Desde o surgimento do Estatuto do Desarmamento e, agora, com nova proposição de plebiscito, alguns deputados se articulam para que as medidas de controle ou proibição do uso de armas sejam repelidas. Hoje, no Congresso, tramitam 27 projetos que buscam ampliar as categorias profissionais que têm direito a porte de armas – até para pesquisadores de entidades científicas. Certos projetos estão em Comissões, como a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO).

A Comissão de Segurança Pública realizou em abril do ano passado, pouco depois da proposição de Sarney, a primeira audiência pública para discutir o controle de armas. Além dos deputados, também estiveram presentes o Chefe do SINARM, Douglas Saldanha; o presidente do Movimento Viva Brasil, Bené Barbosa; o coordenador do Programa de Controle de Armas do Viva Rio, Antonio Rangel Bandeira; o pesquisador do Sistema de Indicadores de Percepção Social, IPEA, Almir de Oliveira Júnior; a diretora do Instituto Sou da Paz, Melina Risso; e o representante da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) e diretor da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (ANIAM), Salésio Nuhs.

A indústria de armas, incluindo aí a ANIAM, a CBC e as empresas Taurus, doou quase R$ 2,5 milhões a campanhas de parlamentares.

A seguir, os perfis dos 14 parlamentares – 11 deputados federais, dois senadores e um deputado estadual – que receberam doações a partir de R$ 40 mil e que foram eleitos na campanha de 2010, segundo o TSE.

Ana Amélia Lemos

Tem 66 anos e é gaúcha de Lagoa Vermelha, município ao nordeste do Rio Grande do Sul. No final dos anos 60, mudou-se para Porto Alegre para cursar a faculdade de Comunicação Social. Foi jornalista na rádio Guaíba, no Jornal do Comércio, no Correio da Manhã e na revista Visão, de Porto Alegre. Iniciou sua carreira na televisão em 1973, no Programa Câmera 10 na TV Difusora.

Depois que ingressou na rede RBS, em 1977, tornou-se ainda mais conhecida. Ana Amélia trabalhou na emissora como jornalista em Brasília por 21 anos, chegando ao cargo de diretora da RBS no Distrito Federal. Em 2010, concorreu pela primeira vez a um cargo eletivo e foi eleita senadora pelo PP/RS com 3,4 milhões de votos. “Deixo de ser narradora do cenário político para ser protagonista”, comentou em artigo no jornal Zero Hora, do grupo RBS.

No referendo sobre o estatuto do desarmamento, o Rio Grande do Sul, terra da senadora Ana Amélia, foi o Estado em que houve maior oposição à lei, com 5.353.854 “nãos”. Para ela, é desnecessário votar novamente sobre a questão, como propôs o senador José Sarney, em abril desse ano. “A sociedade já se manifestou”, opina a senadora, acrescentando que o Rio Grande do Sul se opõe ao desarmamento por motivos culturais. “Nós gaúchos temos um senso, uma cultura desse legalismo [das armas]. Em nosso Estado estão instaladas as principais indústrias de armas para caça esportiva, tiro ao alvo ou atletismo de tiros”, afirma.

Quando questionada sobre a doação de R$ 50 mil pela Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições à sua campanha, a senadora argumenta que o setor merece defesa por gerar muitos empregos de qualidade. “O índice de estabilidade dos empregados dessas fábricas é dos mais altos, se comparado a outros setores industriais. Eu não posso desconhecer a importância social na geração de empregos desse setor”, alega.

O importante para ela é que as empresas estejam em situação legal, pagando impostos. “Se fossem clandestinas, seguramente não estariam entre minhas doadoras de campanha”.

Para ela, o crescimento da indústria de defesa no Brasil – o país é o quarto maior exportador de armas leves no mundo – é positivo. “Eu defendo o emprego, defendo o crescimento porque o aumento das vendas representa o aumento dos níveis de emprego nessa indústria que é, cada vez mais, sofisticada”.

No Senado, Ana Amélia integra a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional na e as Subcomissões Permanentes para Modernização e Reaparelhamento das Forças Armadas e da Amazônia e da Faixa de Fronteira.

Abelardo Luiz Lupion Mello

É vice-presidente nacional da Frente Parlamentar de Legítima Defesa, que defendeu a campanha pelo “não” no referendo do desarmamento em 2005. Curitibano, de 59 anos, exerce seu quinto mandato como deputado federal. Em 2002, assumiu a presidência do DEM no Paraná, ao qual pertence desde 1992, quando a sigla ainda era PFL.

Em seu Estado, 73,15% da população votou pelo “não” ao desarmamento, contra 26,85% que optaram pelo “sim”.

Lupion tem posição clara e aberta contra o desarmamento. ”Imagine o cidadão que mora a trinta quilômetros de uma cidade, isolado numa chácara. Como vamos tirar o direito dessa pessoa de ter uma arma para se proteger? Ou o cidadão ribeirinho que vê seu filho ser atacado por uma sucuri e não pode fazer nada por que está proibido de ter uma arma?”, questionou o deputado há seis anos, quando a questão foi votada, em matéria do jornal O Estado do Paraná. Para ele, armas registradas de acordo com a lei não são motivos de violência.

Em seu blog, coleciona textos sobre o tema de autores como Salesio Nuhs, Vice-Presidente Institucional da Associação Nacional das Indústrias de Armas e Munições (ANIAM). No texto, Nuhs coloca que “as armas compradas oficialmente não são protagonistas das estatísticas que têm tentado, pela omissão, ludibriar pessoas de bem”. A ANIAM doou R$ 120 mil à campanha para a eleição do deputado em 2010.

Ano passado, em debate sobre a proposta de novo referendo popular para o desarmamento no programaTribuna da Massa, da Rede Massa, Lupion disse que a discussão se resume ao fato de um “homem de bem” poder ou não adquirir uma arma. “Nós temos que tirar arma de bandido. Esse é o nosso objetivo”, disse o deputado.

E completou: “O Brasil possui uma das leis mais restritivas do mundo, pela qual o processo de aquisição de arma é burocrático, caro e demorado”, disse. Ao comentar o massacre do Realengo destacou que seu autor, Wellington,“utilizou armas e munições ilegais, não possuía idade mínima para o porte, não passaria no exame psicológico e se tivesse registro, poderia adquirir apenas 50 munições por ano”.

Para Lupion, a luta pelo “não” foi uma luta pelo povo. “A elite não precisa de arma, ela tem seguranças, anda de carro blindado. É o cidadão comum que não tem segurança”, disse o deputado ao portal Paraná Online.

Fernando Destito Francischini

Está no seu primeiro mandato (2010) como Deputado Federal do Paraná e foi o mais votado do sul do país pelo PSDB.

Formado em direito, é delegado da Polícia Federal e já ocupou cargos como subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo (2003), sob o governo de Paulo César Hartung Gomes, e de secretário Antidrogas de Curitiba (2008-2010), sob o governo de Roberto Requião. Em seu trabalho na polícia, destacou-se pela prisão do traficante colombiano Juan Carlos Abadia, em 2008.

Em 2011 foi eleito vice-presidente da Comissão de Segurança Pública (das 46 reuniões, até então, esteve presente em 40) e presidente da Subcomissão permanente para a investigação de denúncias e acompanhamento de operações policiais de combate ao crime organizado, tráfico de drogas e armas, pirataria, contrabando, corrupção e crimes conexos.

Em seu mandato participou da instalação da Subcomissão Especial de Acompanhamento, Fiscalização Orçamentária e Financeira dos recursos públicos federais destinados à Segurança Pública e apoiou a distribuição da cartilha didática (gibi) desenvolvida pela ANIAM para “a conscientização infantil em relação aos acidentes com armas de fogo”.

O deputado tem posição clara em favor do direito do cidadão se armar. Em audiência pública da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado sobre o controle de armas, Francischini questionou o foco do debate. “A preocupação com o controle de armas não é o homicídio? Ou a preocupação é diminuir o número de pessoas armadas? Acho que não”, colocou o parlamentar.

Questionado a respeito da sua posição sobre a proposta de um novo plebiscito, Francischini afirmou ser um gasto desnecessário. O deputado defende, porém, o combate às armas ilegais. “Várias pesquisas tem mostrado que a atual campanha do desarmamento é inócua na questão do crime organizado. O desarmamento serve para diminuir os homicídios dentro dos lares, com acidente dentro de casa, briga de marido e mulher, uso de bebida alcóolica, que é um homicídio de pequena monta perto da quantidade de homicídios que envolvem o tráfico de drogas e o crime organizado”.

A favor do financiamento público, o deputado justifica a doação pela indústria de armas à sua campanha como aposta das empresas em pessoas que “têm algo a acrescentar” no discurso que elas defendem. “Eu não vejo conflito ético porque eu sou um dos mais escancarados, que fala o que pensa. Mas talvez muitos deputados acabem ficando atrelados ideologicamente em função das doações de campanha”.

Francischini recebeu o montante de R$ 50 mil da Taurus Blindagens para sua campanha de 2010.

Fernando Capez

Foi eleito em 2010 com 214.592 mil votos para o cargo de deputado estadual de São Paulo. Formado em direito, tornou-se Procurador de Justiça licenciado e professor. Tem diversos livros publicados sobre o direito, principalmente na área de direito penal. Na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) atua nas áreas de educação, saúde e segurança pública. Em 2007, foi eleito Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALESP por unanimidade. Posteriormente, conseguiu reeleger-se para a presidência, o que foi um feito inédito.

Em 2005, foi publicado “Estatuto do Desarmamento – Comentários à Lei n. 10.826, de 22-12-2003”, escrito pelo deputado. O livro, segundo texto de orelha, aponta as imperfeições da Lei, que são analisadas no decorrer da obra.

Capez dá enfoque maior ao Capítulo IV (Dos Crimes e Das Penas) por esse ser, como ele mesmo afirma, o mais polêmico. Isso porque segundo o Estatuto do Desarmamento, o porte ilegal de armas, mesmo que não apresente perigo concreto a alguém, é crime. Alguns juristas defendem que a presunção de lesão, sem que qualquer ameaça tenha ocorrido de fato, não justifica a proibição de condutas. O deputado estadual, entretanto, explica neste capítulo que “a lei pretende tutelar a vida, a integridade corporal e a segurança das pessoas contra agressões em seu estágio embrionário. Pune-se quem anda armado ou quem atira sem direção para se reduzir a possibilidade de exposição das pessoas ao risco de serem mortas ou feridas”.

Procurado para entrevista sobre a importância da indústria de armas e o tema de segurança pública, a assessoria de imprensa do deputado Fernando Capez respondeu com um e-mail dizendo que “No momento, o Deputado Fernando Capez não deseja falar sobre o tema informado abaixo. Ele se coloca à disposição para futuras entrevistas. Contamos com a sua compreensão”.

Fernando Capez recebeu R$ 60 mil da Companhia Brasileira de Cartuchos em sua campanha para deputado estadual no ano de 2010.

Luiz Gonzaga Patriota

Natural de Sertânia, Pernambuco, tem 65 anos, é advogado, contador e jornalista. Atua como político há mais de 30 anos e está no sexto mandato consecutivo: seu primeiro cargo eletivo foi o de deputado estadual, por Pernambuco, em 1983, pelo então MDB. Desde 1991, porém, sua sigla é o Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Na Câmara, é titular da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e da Subcomissão Permanente Segurança Pública. Como suplente, atua na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.

Gonzaga Patriota defende o poder da indústria bélica no Brasil como forma de fortalecer as Forças Armadas e a polícia e, como membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional na Câmara, acha importante dar apoio a esse mercado para que o país não dependa de importações para se armar. Sobre as exportações brasileiras de produtos bélicos para países em estado de violência interna, o deputado acha que deve haver restrição quando “as violações extrapolem o limite”.

Como outros integrantes da “bancada da bala”, defende o direito de o cidadão portar uma arma para se defender. Afirma que, no Brasil, a falta de segurança favorece a confiança dos bandidos, que andam armados com a certeza da impunidade. “Eu sou cidadão, quero ter uma arma, compro essa arma, faço o registro da arma e, infelizmente, não consigo o porte da arma porque a maioria dos pedidos é negada pela Polícia Federal”, diz.

Gonzaga Patriota diz ser inútil a proposta sobre novo referendo a respeito do comércio de armas. “O bandido está armado, o cidadão se sente inseguro e ele quer ter sua arma em casa para guardar sua família e seu patrimônio. A população brasileira disse que não, que queria andar armada. Então não adianta fazer outro referendo porque vamos ter o mesmo resultado. O brasileiro gosta de estar armado”.

O deputado foi um dos parlamentares a receber financiamento de campanha da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições, em 2010. “Acredito que outros deputados membros da Comissão de Segurança Pública tenham também recebido”, diz em resposta ao valor de R$ 40 mil que recebeu da empresa.

Para ele, não existe conflito ético entre receber financiamento de empresas da indústria de armas e votar sobre questões referentes ao controle desses equipamentos. “Não tem nada a ver. Eu trabalho pelo Brasil, pela sociedade, por um país melhor. Se fosse ilegal, eu não receberia, mas como é dentro da normalidade, a gente recebe as ajudas de campanha de qualquer indústria que queira ajudar”.

Guilherme Campos Junior e mais outros oito (08) deputados completam a lista. Para quem tiver interesse, basta acessar http://apublica.org/2012/01/bancada-da-bala/ e ver a listagem completa.

FONTE: Agência Pública
Por: Jessica Mota





EM CINCO ANOS, 4,3 MILHÕES DE ARMAS NAS RUAS

Nos últimos 5 anos foram comercializadas 4,3 milhões de armas no Brasil – somente de fabricantes nacionais. Número é bem maior do que se estimava. Indústria não revela produção.
Por Daniel Santini e Natalia Viana
Fonte: Agência Pública
27/01/2012

Em outubro do ano passado, o governo federal anunciou que pretende incentivar a instalação de um “pólo industrial” ligado à indústria da defesa no ABC paulista.

O anúncio foi feito pelo assessor especial do ministério da Defesa, José Genoino, e pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, durante um seminário sobre o tema em São Bernardo do Campo.

O banco estuda linhas específicas de crédito para empresas do setor que se instalarem na região. As novas medidas de fomento à indústria do setor de armamentos devem ser anunciadas pelo BNDES em meados deste ano.

O financiamento do BNDES ao setor é polêmico. Para os críticos da indústria de defesa, os fabricantes de armas e munições não devem se beneficiar do mesmo tratamento dado a outros setores industriais.

Quase 40 mil pessoas morreram em 2009 no Brasil em episódios relacionados a armas de fogo – incluindo homicídios, suicídios e acidentes – segundo os dados mais recentes disponibilizados pelo Ministério da Saúde.

Um estudo feito por Pablo Dreyfuss, que era um dos maiores especialistas no tema, mostrou que 90% dessas mortes são resultantes de crimes e o risco de morrer de ferimentos causados por armas de fogo no Brasil é 2,6 vezes maior do que em qualquer outro país.

Sete em cada dez armas apreendidas com criminosos no Brasil são fabricadas aqui, segundo uma pesquisa feita pelo Instituto Sou da Paz, que trabalha pelo desarmamento.

Pistolas (15%) e revólveres (65%) são as armas mais utilizadas pelo crime organizado, e não metralhadoras e fuzis contrabandeados, como se costuma pensar.

O delegado da Polícia Federal Marcus Vinicius da Silva Dantas, da Divisão de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas (DARM), confirma: os responsáveis por abastecer os criminosos brasileiros não são os traficantes internacionais. “A maioria são armas antigas que acabaram na clandestinidade. Muitas compradas por ‘cidadãos de bem’ que venderam para conhecidos, que venderam para desconhecidos. Assim a arma chega ao criminoso”, explica.

A declaração do delegado da PF é endossada pelo principal responsável por destruir as armas apreendidas, o capitão Ismael Ossayran, chefe da seção de Destruição de Armamentos do Exército de São Paulo. Segundo ele, a maioria das armas apreendidas é nacional, sendo que algumas foram exportadas para países vizinhos e reintroduzidas no Brasil.

O militar conta que é comum encontrar o mesmo número de registro em mais de um revólver ou pistola antigos e, em uma das peças, a inscrição “Made in Brazil”. Trata-se de um sinal claro de que o descontrole e as falhas de fiscalização perduram há décadas.

Armas compradas para fins esportivos ou para caça também vão parar nas mãos de assassinos, como ilustra o caso de Itupiranga, uma das cidades mais violentas do Brasil, que fica na região de Carajás, no Pará.

A pequena cidade de 42 mil habitantes, situada a 887 quilômetros da capital paraense foi uma das campeãs de violência em 2011, com 160 homicídios por 1000 habitantes, de acordo com o Mapa da Violência, do Ministério da Justiça. A maior parte destes crimes, conforme explicou o capitão da Polícia Militar Kojak Silva Santos ao repórter Guilherme Balza, do UOL, acontece nas áreas rurais. “O óbito, a maior parte, é por armas de caça ou arma branca”, diz ele.

Mesmo com essas evidências, o presidente do Comdefesa, o grupo de trabalho do setor na FIESP, se opõe ao controle de armamentos: “Tem essas loucuras do Viva Rio de que o Brasil não precisa manter a produção de armas. A gente vai manter o equilíbrio das classes sociais provavelmente no grito, de maneira medieval”. (OUÇA TRECHO DA ENTREVISTA)

“Sou absolutamente contra o desarmamento, mas aqui é um país democrático. Já que a nação decidiu assim então a regra é manter”, diz ele. “Nós estamos vendo aí que ninguém pode mais ter seu sítio, ninguém ter mais uma grande chácara ao redor de São Paulo porque o bandido sabe que ele não vai encontrar nenhum tipo de resistência”, completa o líder empresarial.

Quantas armas, afinal?

Não há estimativa oficial da produção de armas leves no Brasil, já que as empresas se negam a publicar os números. Assim, os dados referentes às armas comercializadas são os que mais se aproximam da realidade.

Estes dados sobre o mercado nacional são inéditos e foram solicitados ao Exército pela agência Pública.

Entre 2005 e 2010, as vendas dobraram no mercado interno. O número de unidades vendidas passou de 469.097 em 2005 para 831.616 em 2010, incluindo um pico de 1.001.549 em 2009.

Números muito superiores às estimativas feitas por grupos que monitoram o setor: em estudo recente do Instituto Sou da Paz sobre a implementação do Estatuto do Desarmamento, a produção nacional foi estimada em cerca de 250 mil unidades por ano.

Ao todo, foram vendidas 4.339.846 armas leves no Brasil nestes cinco anos, uma média de 2.377 armas comercializadas por dia. Todas de fabricação nacional. Quanto às importadas, foram 14.142, segundo o Exército.

Nesse período a Taurus comercializou 2,9 milhões de armas no país. A comparação ano a ano mostra que as vendas mais do que triplicaram em cinco anos – foram de 220 mil armas vendidas em 2005 para 775 mil em 2010.

O levantamento do Exército inclui apenas armas leves – sobretudo pistolas, revólveres e fuzis de fabricação nacional. Não contabiliza armas mais sofisticadas, usadas principalmente pelas Forças Armadas, em que predomina a tecnologia importada.

No Brasil, a responsabilidade por acompanhar o setor de armas leves é da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército (DFPC), órgão composto por 1.500 militares espalhados em 270 unidades em todo o país.

Os dados que indicam a expansão das vendas são inéditos até mesmo para o Ministério da Defesa.

Indagado sobre dados referentes à produção de armas no Brasil, o Ministério da Defesa informou através de e-mail que “não tem elementos” para responder às seguintes questões:

- tamanho da produção nacional de armas leves;

- quanto produzem os três maiores traficantes;

- dinheiro que o setor movimenta entre produção e empregos;

À pergunta sobre se tem controle sobre a produção afirmou: “O Ministério da Defesa tem controle da produção, mas não sabe, a priori, o tamanho das encomendas feitas”. A “título de esclarecimento” acrescentou: “o Ministério da Defesa incentiva fortalecer a Indústria Nacional de Defesa, e não ‘ampliar a produção nacional de armas’”.

O diretor-técnico da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), Armando Lemos, afirmou não existir um levantamento sobre a quantidade de armas fabricadas no país.

“Ninguém sabe qual a dimensão da produção nacional. Buscamos incentivos fiscais para beneficiar os fabricantes, mas, sem números precisos, não dá nem para conversar com o Ministério da Fazenda. Não sabemos quanto é produzido, quantas pessoas trabalham no setor, quanto dinheiro é movimentado. Eu não sei, o (ex) ministro Jobim não sabe, ninguém sabe. As empresas relutam em repassar estes dados”.
Representantes da ONG Instituto Sou da Paz criticaram, também por nota, o posicionamento do Ministério, por entender que “ações voltadas para o fortalecimento industrial”, que envolvem ações como incentivos fiscais e investimentos em pesquisa e tecnologia para baixar custos e aumentar a produtividade “costumam levar a uma maior produção” de armas.

Jairo Cândido, da FIESP, rebate as críticas apelando para a contribuição do setor à economia nacional. “Eles estão lutando contra a indústria nacional e nós não podemos aceitar isso”.

Acrescenta: “Se o Brasil deixar de importar armas, como é o nosso desejo, que toda arma seja nacional, e eles roubam armas dos quartéis, das polícias, de todos os lugares, é normal… o desejável é que 100% das armas que nós apreendemos seja nacional”, disse. “Eles querem que não tenha arma nacional? Que pare de produzir?”.
Negócios silenciosos de uma indústria explosiva
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Defesa e Segurança (Abimde), o setor movimenta US$ 2,7 bilhões por ano, dos quais US$ 1 bilhão é proveniente de exportação.
O setor emprega 25 mil pessoas e contribui para a geração de 100 mil empregos indiretos. As maiores fabricantes são a Taurus, CBC, a Imbel, Amadeo Rossi e E. R. Amantino, também conhecida como Boito.
IMBEL
Imbel – Indústria de Material Bélico do Brasil, localizada em Itajubá, Minas Gerais, é a única empresa estatal do setor, fabricando desde armamentos até equipamentos de comunicação para as Forças Armadas.  Começou a operar em 1977, após a fusão de algumas fábricas militares e passou por crises administrativas financeiras que resultaram em um passivo de 320 milhões de reais. O produto mais tradicional da Imbel, a pistola Colt.45, entrou no mercado americano na década de 80 e, em 1998, foi adotada pelo FBI. Atualmente, 65% da receita da empresa é proveniente da venda de rifles e pistolas. As armas pequenas da empresa são utilizadas pelo Exército Brasileiro e por forças armadas de outros países da América do Sul.
CBC
Companhia Brasileira de Cartuchos é a maior fabricante de munições do país. A unidade principal da empresa, em Ribeirão Pires (SP), é considerada o maior complexo industrial de produção de munições do hemisfério Sul. A outra fábrica, inaugurada em Montenegro (RS), em 2000, também produz armas longas e é especializada em cartuchos de caça.
Enquanto a Taurus e a Imbel fornecem armas leves aos mercados internacionais, a CBC garante a munição para abastecê-las em mais de 40 países. Fez duas novas aquisições nos últimos anos – comprou a indústria tcheca Sellier & Bellot, em 2009, e a alemã Men, em 2007.Em 2010, a revista Der Spiegel denunciou negócios da CBC com a Líbia e o Irã, e a acusou de tentar contornar a legislação alemã sobre armas de guerra. A empresa negou.
Segundo o estudo “Armas Leves no Brasil: produção, comércio e proprietários”, feito por pesquisadores Pablo Dreyfuss, Benjamin Lessig e Julio Cesar Purcena, 70% das ações da CBC pertencem à DFV Participações, uma unidade da Cemisa, empresa controlada pela Charles Ltd., sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, um conhecido paraíso fiscal. Outros 28% são da PCDI Participações, ligada a Brookmon Trading Corp, também com sede nas Ilhas Virgens.
A CBC tem faturamento anual estimado em cerca de 250 milhões de reais.
BOITO
A indústria E. R. Amantino & Cia. Ltda., ou Boito, sediada em Veranópolis, no Rio Grande do Sul, foi fundada em 1955. Fabrica espingardas e armas de caça, e emprega cerca de 300 pessoas. É a única empresa na América do Sul que fabrica espingarda com canos paralalelos e afirma que seus produtos se destinam a fins recreativos, como a caça e o esporte. “Não fabricamos armas para matar homens, mas sim, para estar em contato com a natureza, respeitar seus ciclos e sua preservação”, estampa o site da empresa, lembrando as palavras do fundadorElias Ruas Amantino. A companhia exporta cerca de 90% de toda sua produção de armas, principalmente para os Estados Unidos.
ROSSI
A empresa Amadeo Rossi deixou de produzir armas de fogo em 2010 e arrendou a comercialização destes itens às Forjas Taurus, mas não se conhece os detalhes do negócio. O documento de análise do CADE, o órgão público que supervisionou a transação, encobriu as principais cifras referentes às duas empresas com o escrito “confidencial”. Em 2007, a Rossi já havia transferido sua produção de armas de cano curto para a Taurus, produzindo apenas espingardas e rifles até 2010.


Porta Giratória
Embora em menor escala, no Brasil também acontece o mecanismo de “revolving door”, ou porta giratória, como são chamadas nos Estados Unidos as rotineiras contratações de autoridades do governo por indústrias de armamento e vice-versa – o vice de Bush, Dick Cheney, por exemplo, era CEO da empresa Halliburton antes de assumir o cargo.

Por aqui, o general Antônio Roberto Nogueira Terra, que durante seis anos foi chefe da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Ministério da Defesa – órgão responsável por autorizar a exportação de armas e munições para outros países –, passou para o outro lado do balcão ao assumir o cargo de consultor especial da Sulbras Consultoria e Assessoria Ltda, escritório de representação da Taurus em Brasília que pertence a Renato Conill, vice-presidente da empresa. A mudança de emprego do general foi assunto de uma reportagem da revista IstoÉ, em 2004.

Mas o caso não é exceção. À frente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE), por exemplo, está o almirante Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, ex chefe do Estado-Maior da Força de Submarinos da Marinha.

Para Jairo Cândido, presidente do Comitê da Cadeia Produtiva da Indústria de Defesa (Comdefesa), da FIESP, não há “ilegalidade” nesse tipo de relação. O que não significa que seja legítima, como alerta o o jurista Luiz Flávio Gomes, um dos principais especialistas em direito penal do país: “Eticamente, você passar a compor a empresa que fiscalizou é algo bastante discutível”, diz.

A indústria também mantém laços estreitos com o Movimento Viva Brasil, uma ONG que se destacou nas campanhas contra o desarmamento e pelo fim das restrições ao comércio de armas no país.

Seu presidente, o advogado Benedito Barbosa, afirma que o MVB é um movimento independente que reúne atiradores e aficionados por armas de todo o Brasil. Bene, como é conhecido, é um defensor intransigente do livre mercado de armas no país. Em 2008, em um fórum sobre o assunto na Internet, ele deu a seguinte resposta a atiradores que ridicularizavam a cor rosa de uma pistola da CBC: “Tudo é uma questão de nicho de mercado. A pistola com certeza se destina ao público infanto-juvenil, aliás são estes que serão os atiradores de amanhã. Então, é realmente necessário que esse tipo de arma esteja disponível no mercado ou você daria uma x-ultra-multi-veloz e cara arma para o seu filho de oito anos atirar livremente? Aliás, até que enfim, a indústria nacional lembrou que existe mercado para novos atiradores”.

A independência da ONG de Bene é difícil de sustentar. Desde sua fundação, o MVB funcionou dentro do escritório de Marco Antonio Moura de Castro, um dos membros mais antigos do conselho de administração da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), líder nacional em venda de munição. O endereço, até recentemente, era o mesmo da Assets Consultoria e Participações, empresa que tem como sócio-gerente Moura de Castro, na Rua Pedroso Alvarenga, 755 – cj 32, região central de São Paulo.

Embora se diga “amigo” do empresário, Barbosa afirma que nunca soube da relação de Moura de Castro com a CBC. “Conheci o Mike na época que ele era presidente do Safari Club do Brasil, nem sei se ele já era ou se ainda é conselheiro da CBC. Ele sempre foi atirador e colecionador de armas e esse mundo é bastante pequeno. Dificilmente alguém não conhece alguém. Quando decidi fundar o MVB ele me ofereceu um sala em seu escritório. Sai de lá devendo mais de 10 mil reais em alugueis, que ele, por amizade, jamais cobrou”, explica candidamente.

As contas da organização são fechadas ao governo e ao público. Segundo Barbosa, isso se deve ao fato de que o grupo optou por não receber verbas governamentais, nem isenção fiscal.