quarta-feira, 13 de abril de 2011

O TRÂNSITO NÃO PODE ESPERAR

Autor(es): David Duarte Lima
Correio Braziliense - 09/04/2011
Doutor em segurança de trânsito, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), presidente da ONG Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito (IST), foi coordenador do Fórum pela Paz no Trânsito
Um milhão de mortos. Vinte milhões de feridos. Cinco milhões com lesões irreversíveis, com membros amputados ou em cadeiras de rodas. A soma dos prejuízos com danos materiais, perda de produção, custos médicos, pensões, chega a R$ 1 trilhão. Não é o balanço de uma guerra, caro leitor. São números da tragédia do trânsito no Brasil nos últimos 30 anos.

Todos os anos, 40 mil pessoas perdem a vida nas nossas ruas e estradas e 800 mil ficam feridas. O trânsito é a principal causa de morte entre crianças de 5 a 14 anos; um em cada três brasileiros será ferido no trânsito antes de completar 60 anos (que doença faz tantas vítimas?); em 2010, dez mil motociclistas morreram e 500 mil ficaram feridos.

Por que morrem tantos brasileiros no trânsito? Por que para uma mesma distância percorrida há dez vezes mais vítimas no Brasil que nos países desenvolvidos? Será que não percebemos ou nos sentimos impotentes diante da catástrofe?

Qualquer pessoa observadora constata que o trânsito no Brasil tem o ambiente perfeito para ferir e matar: estradas e ruas perigosas, carros sem manutenção, motoristas que dirigem em alta velocidade ou embriagados, motociclistas que arriscam a vida a todo instante, fiscalização ineficaz. Os pedestres e ciclistas não contam com espaços para locomoção confortável e segura. O descaso com a segurança de trânsito contamina a Justiça, que dá mostras de excessiva benevolência com motoristas infratores. Relegadas a um segundo plano, as perícias, essenciais para estabelecer medidas preventivas, são feitas à matroca. Toda essa situação tem como pano de fundo o transporte coletivo, esse monumento à negligência com o povo, que incentiva o uso do transporte individual motorizado, agravando ainda mais os problemas.

Poderia ser diferente. O trânsito tem jeito. Com medidas de controle, muitos países experimentaram bons resultados. Em 2009, os Estados Unidos tiveram o menor número de mortos no trânsito desde 1950. Na Europa, os benefícios foram parecidos. A Bélgica, por exemplo, multiplicou por dez sua frota de veículos automotores nos últimos 60 anos, mas, em 2010, teve o menor número de vítimas de trânsito em todos esses anos. Esses países fazem diagnósticos dos problemas, realizam pesquisas, estabelecem metas e promovem ações para reduzir a violência no trânsito. Os programas desses governos são robustos, há comprometimento das autoridades e participação da sociedade.

Há 15 anos Brasília mostrou que nós também podemos. Uma série de reportagens sobre a tragédia no trânsito da cidade e um editorial escrito pelo saudoso Ismar Cardona no Correio Braziliense, foram o estopim para uma campanha que culminou com a criação do Fórum pela Paz no Trânsito na Universidade de Brasília e a revolução da faixa de pedestres, capitaneada pelo coronel Renato Azevedo. Crônicas diárias do brilhante jornalista Alexandre Garcia na Rede Globo foram fundamentais para a população perceber a inaceitável situação vigente nas ruas da capital federal. Governo e sociedade decidiram reduzir essa chaga social. Na maior manifestação política desde as Diretas Já, a população de Brasília exigiu medidas de segurança de trânsito. Em quatro anos, o número de mortos no trânsito foi reduzido à metade.

Em 1966, o presidente Lyndon Johnson percebeu a gravidade do problema no seu país. “Mais de 1,5 milhão de nossos cidadãos morreram em nossas ruas e estradas neste século; cerca de três vezes o número de americanos que perdemos em todas as nossas guerras”, disse ao assinar o Plano de Segurança de Trânsito dos Estados Unidos. O governo precisa fazer o mesmo no Brasil. Medidas como uso do cinto de segurança, controle de velocidade, fiscalização efetiva, inspeção de segurança dos veículos, educação de trânsito, tem grande impacto na redução do número de vítimas e podem ser implementadas já. A médio prazo, precisamos reestruturar nossas cidades para que elas sejam acolhedoras para as pessoas, e os carros deixem de ser os únicos privilegiados no espaço público. As soluções no trânsito são conhecidas e os benefícios, animadores: a cada real investido na prevenção, economizamos cinco que seriam necessários para cuidar de vítimas e enterrar mortos.

Não é uma tarefa fácil, é preciso perseverar por anos, mas é imprescindível encarar a empreitada. O governo e a sociedade não podem mais esperar. É urgente reduzir alguns decibéis dessa toada fúnebre que ronda os lares brasileiros.

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