terça-feira, 22 de novembro de 2011

MPF investiga sumiço de verbas da Universidade de Rondônia

Ao todo, 46 obras da universidade intermediadas pela Fundação Riomar estão paradas ou atrasadas.


A Engenharia Elétrica não tem eletricidade. O professor Petrus de Luna reclama: “Exaustor não funciona, nada funciona. Por quê? A energia não funciona.” Aluno sem ânimo para continuar. “Minha sala começou com 45 alunos e um ano depois tinha 15”, conta a estudante Laysa Belice. 

A pesquisa, sem um centavo para prosseguir. “O dinheiro sumiu da conta”, diz a professora Mariângela de Azevedo. O misterioso sumiço das verbas de dezenas de projetos da Universidade Federal de Rondônia provocou uma greve de professores que já dura dois meses, a ocupação da reitoria pelos estudantes e 14 ações civis e penais na Justiça estadual. 

Para o ministério público de Rondônia, a Fundação Rio Madeira, a Riomar, criada para apoiar os projetos da universidade, virou uma organização criminosa que saqueou o dinheiro da instituição. 

O promotor Pedro Abi-Eçab avisa: “A Universidade Federal de Rondônia é um ótimo exemplo de que as fundações só servem para desviar dinheiro, porque a universidade está caindo aos pedaços, está ao abandono”. 

Ao todo, 46 obras intermediadas pela Fundação Riomar estão paradas ou atrasadas. “Essa obra paralisada dessa forma como está faz com que todos os projetos acadêmicos da universidade, aprovados em Brasília com dificuldade e que nos tornaram a melhor universidade do Norte, sejam paralisados”, lamenta o diretor do núcleo de Ciências Humanas, Júlio César Barreto Rocha. 

Um laudo do Corpo de Bombeiros considera crítica a situação do prédio de madeira onde funciona um dos maiores acervos de peixes amazônicos do mundo. Um incêndio no local botaria a perder 15 anos de pesquisa. 

“Nós temos cerca de 200 mil exemplares depositados em cerca de quatro mil litros de álcool. É uma situação de risco iminente”, alerta a curadora da coleção, Carolina Dória. 

Nada disso aconteceria se o dinheiro do projeto não tivesse sido desviado. Carolina conta: “Foram desviados em torno de R$ 800 a R$ 1 milhão. Nós não sabemos como isso foi possível. Gostaríamos de saber para onde foi destinado esse recurso, mas o recurso já estava na conta da Fundação Riomar quando foi desviado”. 

O mesmo aconteceu com o convênio assinado entre a reitoria, a Fundação Riomar e a Secretaria Nacional Antidrogas para um curso de formação. Foram mais R$ 300 mil que desapareceram. “E a reitoria fica num jogo de empurra: fala com um pró-reitor, fala com outro pró-reitor e a gente acabou desistindo, até chegar ao ponto de levar a situação para o Ministério Público Federal”, explica o professor Paulo Rogério Morais. 

O Ministério Público Federal abriu outras 16 investigações, inclusive a que acompanha a implantação do hospital universitário, pronto desde 2008, mas fechado até hoje. Além do prédio, a universidade recebeu dinheiro para fazê-lo funcionar. “Chegou o recurso em 2010 e ele está parado na conta da universidade. São R$ 4,2 milhões e ela não consegue executar por uma questão de ingerência, por uma questão de gestão. Porque está vinculado à Riomar, uma ordem de serviço da universidade para a fundação, e ela está interditada judicialmente”, conta o professor Raitany Almeida. 

Dinheiro que falta também para o laboratório de anatomia, que não renova os tanques de formol porque todos os frascos estão com a validade vencida. “Os tanques não estão tendo uma manutenção adequada. Então está tendo um vazamento de formol. As borrachas de vedação estão totalmente deterioradas há 10 anos. Vem o recurso e não se faz a manutenção”, continua Raitany. 

Manutenção é algo que não existe nos depósitos de produtos químicos. Petrus aponta: “As goteiras existem há quase dois anos. O equipamento está todo danificado. Era uma estufa de circulação de ar forçado. Tem corrosão. Quando chove, toda a água vem para cima do ácido sulfúrico. Quer dizer, se pega um vidro aberto, uma gotinha de água pode explodir todo o sistema. Pega a sala, as laterais e o traseiro. Quer dizer, nós temos uma bomba, na realidade, dentro do laboratório”. 

Em Guajará Mirim, a 300 quilômetros de Porto Velho, um hotel-escola construído há quase dez anos jamais funcionou. O curso de gestão em eco-turismo foi fechado por falta de alunos e o hotel-escola construído por causa de um curso que nem existe mais nunca foi entregue à universidade, embora a obra tenha custado mais de R$ 1 milhão em mais um convênio cuja execução financeira coube à Fundação Riomar. 

O atual reitor, Januário Amaral, já foi presidente da Fundação Riomar. Segundo o Ministério Público, ele é um dos suspeitos de se beneficiar do esquema. “Quem geria a fundação, na maior parte das fraudes, eram pessoas que sequer tinham sido aprovadas no vestibular da universidade, mas que estão ligadas ao reitor. Ou são cabos eleitorais do reitor, ou são parentes ou amigos do reitor”, diz o promotor. 

Uma das empresas que serviria de fachada para o desvio de dinheiro é a Tecsol. O contrato social permite que ela ofereça desde construção de prédios à locação de carros. A empresa recebeu mais de R$ 70 mil pelo aluguel de caminhonetes para a universidade. O promotor segue explicando: “Não existe comprovação nenhuma que essas caminhonetes existiram e foram usadas para esse serviço. O dinheiro foi pago pela universidade. Dentre os donos dessa empresa, a Tecsol, já estiveram sobrinhos do reitor e inclusive seu atual companheiro.” 

O companheiro do reitor, professor Daniel Delani, chegou a ter 80% da Tecsol. Mas em seu depoimento, disse que não botou um centavo na empresa. O reitor afirma que nenhum contrato foi fechado com a universidade enquanto Delani esteve na Tecsol. 

Perguntado por que Delani participou sendo o companheiro do reitor em uma empresa que presta serviço para a fundação, Janurário diz: “Eu não saberia te explicar, até porque ficou três meses na empresa e ele saiu e essa empresa não teve nenhum contrato no período em que ele esteve lá. Eu não saberia lhe informar porque nesse período não teve nenhum contrato. Ele saiu e montou outra empresa, inclusive” 

O reitor foi absolvido na única ação de improbidade administrativa julgada até agora. “Eu sou gestor da Universidade Federal de Rondônia. A Fundação Riomar tem uma outra gestão. Eu sou responsável pelos projetos em que nós temos contrato com a fundação. Os projetos da fundação não são de minha responsabilidade”, defende-se o Januário. 

Na reitoria ocupada pelos grevistas e bloqueada por barricadas, há pilhas e pilhas de projetos da Fundação Riomar. O porta-voz dos estudantes, com o rosto coberto para não ser identificado pela polícia, diz que os alunos estão ali para vigiar os documentos: “Isso é para garantir que a reitoria não maquie esses processos antes que se termine o processo de sindicância”. 

Na quinta-feira (17), a comissão de sindicância do Ministério da Educação chegou a Rondônia. No mesmo dia, estudantes e professores receberam ameaças anônimas de morte, o que provocou a reação do arcebispo de Porto Velho, Dom Moacyr Grechi. Ele quer a Polícia Federal investigando a reitoria: “Agora, que entre a Federal para investigar os computadores, tudo o que é necessário. Investigação. Se forem inocentes, graças a Deus. Mas então vamos achar para onde é que foi o dinheiro”.

Renato - UFRRJ

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